O frade proibido que escrevia ao cardeal

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Numa recente entrevista ao O POVO em Fortaleza, a ser publicada nos próximos dias, Leonardo Boff tocou no assunto. Mas não quis entrar em detalhes naquela hora. Ontem, por telefone, de sua casa em Petrópolis, ele confirmou a história. Em 1986, já na condição de punido com o "silêncio obsequioso" pela Congregação para a Doutrina da Fé, a ex-Santa Inquisição da Igreja Católica, por apregoar a Teologia da Libertação, Boff freqüentava o Ceará silenciosamente. A pedido de dom Aloísio Lorscheider. Para discutir, fundamentar e preparar escritos que seriam depois oficializados pela Igreja. "Eram textos sobre Igreja e sociedade. Textos que deviam ser oficiais, depois assumidos pela Celam". Dom Aloísio, além de cardeal-arcebispo de Fortaleza, presidia a Conferência Episcopal da América Latina e Caribe (Celam). Era a maior autoridade do Vaticano no continente elaborando documentos em segredo com um ex-frade não perdoado pela Cúpula de Roma .

Boff e Lorscheider tinham enormes afinidades pela formação franciscana de ambos. Dom Aloísio foi a Roma em 1984, quando o então frei Leonardo Boff foi inquirido no Vaticano, por três horas, pelo severo cardeal Joseph Ratzinger, que presidia à época a rígida Congregação para a Doutrina da Fé. Atuou como um advogado, ao lado do cardeal arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, a favor dos feitos de Boff em nome da Teologia da Libertação. Ratzinger chegou a ser contra a presença dos dois cardeais no julgamento, mas o religioso alemão foi desautorizado pelo papa João Paulo II, conta Boff. Arns e Lorscheider puderam ir ao tribunal. A história depois seguiu seu curso. Ratzinger virou Bento XVI e o frade foi calado, deixou a Igreja para se casar, virou escritor e professor. E os dois cardeais brasileiros, agora num outro plano, são reverenciados.

Outra ousadia de dom Aloísio naqueles anos de mão-de-ferro do Vaticano, segundo Leonardo Boff, foi o convite para um curso a ser dado por ele a todo o Clero de Fortaleza. O tema: Teologia da Libertação. A intenção do cardeal-arcebispo foi trazer o próprio frade punido para dirimir os mal-esclarecidos sobre a Teologia que defendia a ligação da Igreja com as causas e movimentos sociais. "E ele foi censurado pelo Vaticano por ter convidado a mim como teólogo condenado", relembra. Todos os padres de Fortaleza e vários de dioceses vizinhas compareceram.

Mesmo repreendido, dom Aloísio não deixava de impor respeito. Entre os da Igreja e com fiéis que cada vez mais o rodeavam. Mais uma passagem curiosa presenciada por Leonardo Boff, também em Fortaleza, foi durante uma visita ao Pirambu. Participavam de uma reunião das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) - que Lorscheider e os teólogos da Libertação davam como o caminho mais consistente para a Igreja Católica. "Dom Aloísio se sentou na roda da comunidade que fazia comentários bíblicos. Cada um ia comentando, chegou a vez dele, ele comentou. No fim da reunião, normalmente é o padre ou bispo que se levanta e dá a bênção. Ele não, disse "o coordenador, por favor, se levante, ele que dá a bênção". E o cardeal se inclinou e seguiu a bênção dada pelo leigo. O que mostra a profunda humildade dele".

Num número da revista Concílio, publicada em sete idiomas e a qual Boff era um dos editores, dom Aloísio chegou a dizer num artigo que antes de vir para o Ceará e conhecer a pobreza e as CEBs, era apenas um bispo conservador na diocese de Santo Ângelo. Até se converter para o povo, para as CEBs, para a Teologia da Libertação, teria escrito, segundo o ex-frade. "Roma o repreendeu: 'como um cardeal vai se converter? Cardeal não se converte, já está consagrado´. Dom Aloísio disse 'não, o cardeal tem que se converter a cada dia, se confrontando com Jesus, com o Evangelho, com o povo de Deus que nos ensina a santidade, a sabedoria´.Ele tinha esses gestos de grande humildade e simplicidade, próprios do espírito franciscano".

Fonte: www.opovo.com.br

0 comentários:

Postar um comentário