“Em silêncio abandona-te ao Senhor,
põe tua esperança Nele...” (Salmo 36,7)
Gosto destas coisas de escrever. Aliás, pela escrita eu me realizo. Porém, é preciso silenciar para escrever, escutar o que diz as vozes externa e interna de nosso coração e da razão. Não há escrito nem reflexão em meio barulho. Nestes dias, ponho-me a silenciar, disputando espaço com os ruídos que de um certo tempo, aumentaram seu volume. No silêncio, também grito, pois o grito é algo que incomoda o ouvido de outros/as que talvez incomodam-se com algo diferente: o silêncio.
Igrejas, parlamentos e demais espaços estão perdendo a sensibilidade de escutar. É tanto barulho que às vezes não se chega a um denominador comum, por conta que não se calou o suficiente pra ouvir. Claro que há espaços eclesiais e sociais que ainda tem esta prática, mas está ficando cada vez mais raro nestes tempos: o capitalismo não financia o silêncio! Aliás, pode até financiar, desde que este seja sinônimo de quietude, acomodação.
Calaram nosso socialismo, com esta crise? E quando falo, me refiro aos que ainda tentam construir uma realidade diferente desta que está pautada pelas grandes multinacionais e elites explorantes. Mais ainda, não me refiro à moeda, à bolsa de valores ou qualquer destes instrumentos que a burguesia utiliza pra difundir a sua idéia de sociedade. Quero falar sobre as relações sociais que se estabelece entre nós, classe popular. Esta crise, até mesmo o próprio capital, está a causa uma dificuldade principalmente em nossas relações interpessoais. Uma certa ausência de solidariedade, está começando a contagiar os/as menos favorecidos/as.
É preocupante como isto está começando a se fazer presente em alguns agrupamentos socialistas e cristãos. A experiência das primeiras comunidades cristãs (cf. At. 4,32), o que partilhava Gandhi, D. Hélder Câmara, Che Guevara, Margarida Alves e demais companheiros/as, a cerca da necessidade de se solidarizar com os/as outros/as, está sendo compreendida somente como assistencialismo. Há, até mesmo nas esferas políticas, propostas unicamente voltadas a este tipo de caridade. São necessárias, mas não deve ser nosso fim. A solidariedade libertadora, vai além de bolsas, doações, empréstimos sem volta. Ultrapassa o material. O material pode ser o instrumento de manifestação desta solidariedade, mas o sentir-se solidário ou solidarizado, é algo que está intrinsecamente ligado aos nossos sonhos e desejos de construir “um outro mundo possível”. É afeto, é amor. É mística!
Não quero fazer esta reflexão como se eu estivesse numa redoma de vidro, isolado e fora deste contexto, senão mudaria a questão de solidário para solitário. Aliás, ninguém consegue ser solidário só. Tão pouco consegue fazer solidariedade teatral, aquela que a gente somente pratica por faz-de-conta. Que isso não se entenda por (pré)julgamento e nisto, é também preciso silenciar, internalizar, fazer ruminar as palavras...
Certa vez, um poeta lírico e satírico romano chamado Horácio escreveu em um de seus poemas, uma frase em latim: “Carpe Diem”, popularmente traduzida para colha o dia ou aproveite o momento. Talvez, se ainda não estivermos fazendo isso, seja o momento da gente aplicar a solidariedade, pois pelo que se percebe, se hoje fosse o último dia, a maioria das pessoas fariam principalmente o que desejam para si e não aquilo que precisam fazer, partindo do ponto de vista de que a solidariedade é uma necessidade de dentro pra fora para criar reciprocidade. Criemos juntos/as, espaços de solidariedade libertária. Indignemos com a falta de solidariedade, silenciemos. O silêncio também é uma forma de silenciar quando através dele, conseguimos gritar por nossas ações. Ação e reflexão. Solidariedade e silêncio. Agora peço licença para contemplar a criação e a vida, minha vida, nossas vidas. Quero me permitir silenciar e ser solidário onde ainda não fui. Antes que seja tarde demais...
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